Uma das coisas mais certas da vida é que nada é permanente, inclusive seus gostos. Por mais doloroso que isso possa parecer, é a verdade. Se você pensar no que era importante para você há cinco anos, provavelmente encontrará coisas que hoje são irrelevantes, ou que você nem pensa mais a respeito. Da mesma forma, é bem possível que, daqui a cinco anos, as coisas com as quais você se importa hoje percam a relevância. Esses são os ciclos e processos naturais da vida.
Embora todos nós estejamos sujeitos à esse caráter transitório das coisas, existem, sim, elementos que fazem parte da nossa essência e dificilmente nos deixam. Comigo, falo com segurança que são os videogames. Para mim, é impossível imaginar uma realidade onde eu não jogo videogame. Esta tem sido a minha maior diversão (e por vezes, minha única diversão) desde sempre, desde a infância, desde que nasci. Hoje, com quase 27 anos de idade, continuo jogando, continuo sentindo prazer com games e continuo destinando um tempo sagrado da minha rotina para apreciá-los.
Entretanto, não posso dizer que jogo de tudo, ou que todo tipo de jogo me encanta. Nos últimos anos, venho percebendo que estou mais impaciente com certos jogos e me sinto até incapaz de dar uma chance a alguns títulos (inclusive os consagrados e amados pela grande maioria das pessoas). Isso tem acontecido, majoritariamente, com jogos antigos, basicamente de todas as eras anteriores aos consoles HD (ou seja, games de PS2 pra baixo).
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Prehistorik Man tem gráficos lindos, gameplay fluída e diálogos com bastante humor. Mesmo assim, não consigo me manter interessado para além da primeira fase. |
É engraçado lembrar que antes de eu me considerar um "gamer", desses que acompanha tudo que acontece na indústria e joga os lançamentos dentro de um tempo razoável (poucos meses ou anos após o título ser lançado), eu fui única e exclusivamente um "retrogamer": alguém que só olhava, experimentava e se interessava por jogos antigos. Isso foi meio que parte da minha adolescência, onde até mesmo no meu hobby preferido eu queria me sentir parte de uma "tribo" e, dentro do que minhas possibilidades financeiras alcançavam, decidi ser retrogamer.
Fato é que não tive acesso a sistemas mais modernos até a era HD. Tive um SNES quando o PS1 já existia, tive vários PolyStation (clones do NES) quando o PS2 já existia, e fui ter um PS2 quando o PS3 já existia. Sempre estive "atrás" e sinceramente, acho que isso me fez bem. Tive uma infância regada de bons jogos, especialmente dos 8 e 16 bits, que praticamente "me moldaram" como jogador. Vários conceitos que hoje aprecio em jogos modernos, eu aprendi a gostar nos jogos daquelas gerações.
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O estilo "direto ao ponto" dos jogos de ação noventistas me fez amar a franquia reboot de DOOM. |
Essa diferença de gostos também me afastava das rodinhas de conversa sobre "GTA" e "Counter-Strike" que o pessoal da minha idade costumava frequentar. Sou de 1996, e a maioria do pessoal da minha geração é cria do PlayStation/PC e conhece pouco de Super Nintendo e Mega Drive, quem dirá Nintendinho. Então, o fato de eu crescer com esses jogos de gerações passadas me fez ficar particularmente mais próximo da galera que hoje está com 30, 35 anos de idade, o pessoal que veio antes de mim e que, com a minha idade, também estava jogando esses sistemas. Quando eu estava no primário, no começo dos anos 2000, ainda jogando SNES, os amigos que jogavam comigo estavam se formando no ensino médio. Isso acabou virando uma constante na minha vida: sempre tive amigos mais velhos e sempre lidei melhor com adultos/idosos do que com gente da minha idade.
Enquanto a gurizada queria os códigos do GTA ou estavam enfiados na
lan house jogando Mortal Kombat Armageddon e Dragon Ball Z Budokai Tenkaichi 3, eu estava lendo o
SNES Classics do Super Wallace, ou o
Retroplayers do Sabat (atual
RetroSabat), ou então o
Museum dos Games do P.A., em busca de descobrir novos jogos para os sistemas que eu conhecia. E não parou por aí: eu queria pertencer a essa "tribo". Então decidi que só iria jogar coisas "de Nintendo 64 pra baixo" e fechei os olhos para as demais plataformas que existiam.
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Se eu ainda estivesse com aquela mentalidade, este seria o primeiro e único "mundo aberto" que eu teria conhecido na vida. |
Passei vários anos assim, jogando, experimentando e testando tudo de SNES, Mega Drive e NES, e alguma coisa de GBA, Nintendo DS e Nintendo 64 - tudo com o auxílio da emulação, e como meu PC era fraco, eram esses sistemas que ele conseguia emular.
Aos poucos, fui experimentando alguns games 3D mais leves que rodavam em minha máquina, como Tarzan, Sonic Adventure DX e Heroes, e o primeiro Klonoa de PS1. Gostei desses jogos, mas era um esforço para avançar neles. Tarzan terminei algumas vezes, em jogatinas picadas. Sonic Adventure DX eu só finalizei com o Sonic e não me interessei pela jogabilidade dos demais personagens. Sonic Heroes era muito longo e ficava enjoativo nas últimas fases. O único que terminei com gosto foi o Klonoa.
Eventualmente, comprei um PlayStation 2, mas o único - ÚNICO - jogo da plataforma que eu realmente gostei foi Ratchet & Clank Going Commando. E mesmo com aquele console moderno, toda hora eu voltava para os 8 e 16 bits. Lembro de passar um tempão tentando emular SNES no console, criando várias ISOs do SNES Station a fim de ter minha seleção de games favoritos do Super Nintendo no meu novo aparelho. Mas não cheguei a criar uma memória afetiva com o PS2 igual todo mundo tem. Pra mim foi um console que passou praticamente batido. Sabe aquela menina com quem o lance "não vira"? Mesma sensação.
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Todos amam, mas eu sinceramente nunca dei a mínima. |
Em 2011, quando comprei o PlayStation 3, aí a coisa mudou de figura. Continuei gostando dos clássicos, mas pela primeira vez eu estava realmente empolgado com jogos "modernos". E pela primeira vez eu tinha um console "da geração", sem ficar pra trás de ninguém.
Os primeiros jogos de PS3 que joguei foram todos incríveis para mim. Claro que comecei com Ratchet & Clank Future, depois fui para Sonic & Sega All-Stars Racing, Spider-Man Web of Shadows, Resident Evil 5, Devil May Cry 4 e por aí vai. Pela primeira vez eu estava adicionando novos títulos à minha lista de jogos favoritos da vida, que se mantinha praticamente intacta desde a infância. Mesmo assim, eu nunca cheguei a ficar um ano sem revisitar Super Mario World, Goof Troop ou Maui Mallard in Cold Shadow.
Os anos passaram, tive um PC Gamer por cinco anos, joguei tudo que é franquia moderna, descobri mais jogos excelentes e me empolguei cada vez mais com lançamentos e novidades. Fui deixando a veia retrogamer de lado, embora continuasse gostando daqueles jogos.
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Acho que todo mundo vai passar por essa fase alguma vez na vida. |
Em 2020, resolvi começar uma coleção de videogames e mídias físicas do zero. Vendi o PC e migrei para o PS4, minha plataforma principal até hoje. Como minha situação financeira estava, de certa forma, favorável, fui comprando todos os PlayStation ao longo do tempo, com excessão do 5. Peguei outro PS3 no Mercado Livre (pois o meu antigo havia morrido de YLOD), e comprei por uma mixaria o PS1 e o PS2 de um amigo que não usava mais. Juntei tudo isso ao meu Super Nintendo, o mesmo da infância, e minha coleção ficou enorme em questão de meses.
Nesse meio tempo, enquanto eu jogava coisas novas no PS4, acabei conhecendo um ótimo canal no YouTube chamado
Cogumelando: um santuário do entretenimento apresentado pelo queridíssimo Pedro Cogu! O cara manda bem demais nas listas e fala de videogames com tanto carinho, que você tem vontade de jogar tudo que ele recomenda. O foco do canal são retrogames, e eu, encantado por aqueles vídeos, quis expandir ainda mais meus horizontes.
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O Cogu é um show de simpatia, e recentemente conheceu o Gentili. Mais que merecido! |
Nesse meio tempo o "estalo" aconteceu. Eu estava experimentando jogos demais, de todas as épocas, mas não estava conseguindo me cativar pelos "novos jogos antigos" que eu descobria. Sempre voltava para o bom e velho Aladdin, Rei Leão e Mario de SNES, ou Sonic 3 & Knuckles, Snow Bros e TMNT The Hyperstone Heist de Mega Drive. Apesar das dicas do Cogu serem maravilhosas, o problema estava em mim. Aqueles jogos simples já não me prendiam mais.
E nem é questão de gráfico. Mecânicas antigas e ultrapassadas, falta de dublagem ou legendas em nosso idioma, SISTEMA DE VIDAS (eu não gosto de save state, acho que mexer em recurso de emulação durante a jogatina estraga a imersão, então jogava os games da forma como foram projetados para serem jogados, com game over e tudo), essas coisas já não estavam mais me descendo.
Aos poucos, meu interesse foi se perdendo e eu senti que toda aquela minha coleção já não fazia sentido para mim: eu estava acumulando muita coisa, mas jogando e zerando de menos. Em vez de conhecer novas jóias dos 8 e 16 bits, eu estava gastando mais dinheiro para jogar os mesmos jogos de sempre, aquela dúzia de pérolas que estão no meu panteão desde a infância. Resultado: vendi quase toda a coleção (até o SNES que eu tinha desde criança, junto com as fitas) e fiquei só com o PS4 e seus jogos. Decidi que daria um tempo dos games antigos, quase como um detox.
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Coleção é pra usar. Se for pra ocupar espaço e enfeitar prateleira, eu encho de porta-retratos do meu cachorro. |
Nesse período de colecionador/acumulador, posso destacar algumas experiências que serviram como um "choque" para eu desapegar dos retrogames.
Começando com o PS3, eu realmente gosto muito do aparelho, acho ele um videogame lendário, mas acredito que seus melhores jogos foram remasterizados para o PS4, onde podem ser jogados com gráfico melhor, performance mais estável e, em alguns casos, legendas em português. Tudo isso com o DualShock 4, que é bem melhor e mais confortável que o DualShock 3. Salvo uma meia dúzia de jogos que ficaram presos naquela geração (como Metal Gear Rising Revengeance ou o já mencionado Sonic All-Stars Racing, que eu gosto muito), não fazia sentido manter o console. Então transformei ele em grana.
O PS2 eu nunca gostei de verdade e não seria nesse período de compra impulsiva que eu iria gostar. Tentei brincar um pouco no Naruto Ultimate Ninja 5, mas percebi que o game era bem mais divertido na época do que hoje me dia. Dei uma chance para o Battlefield 2 Modern Combat, e notei como a mira nos jogos de tiro melhorou MUITO nessas duas décadas, pois envelheceu terrivelmente mal naquele jogo. Fui testar o tão aclamado Mortal Kombat Shaolin Monks pelo OPL via USB, mas as cutscenes engasgavam, e o fato de eu não ter mais nenhum aparelho em casa com drive de DVD para gravar ISOs, junto da imagem colossalmente horrível do videogame conectado à TV 4K por cabos RCA, fez eu rapidamente perder a vontade de insistir.
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Se um dia rolar remake, vou jogar com prazer. Mas o produto de 2005 não chama a minha atenção em nada. |
Indo para o PS1, cheguei até a comprar algumas repros no Mercado Livre, para começar uma coleção de repros do console (repro, para quem não sabe, são mídias físicas alternativas que imitam, em design, as mídias originais do console). Eis que fui jogar Alundra. Me desculpem, retrogamers hardcore, mas eu não tenho mais paciência para perder duas horas sem saber o que tem que fazer num jogo, e sem o jogo me dar uma única pista. Ali eu descobri que os AAA dublados me deixaram mal acostumado, e eu já tinha pouca ou nenhuma disposição para ler balões de fala de um RPG dos anos 90.
Parti para o Mega Man X4, outro grande sucesso da plataforma e, Deus, a quem eu estava tentando enganar. Nunca fui chegado em Mega Man, não seria agora que a chave iria virar. Não virou. Fui para o Street Fighter Alpha 3, e a ausência de uma lista de movimentos no menu de pausa (como tem nos Mortal Kombat a partir do 9) me fez desistir de tentar aprender qualquer combo ou magia naquele game.
Nisso, vendi aquele PS1 e PS2, afinal nunca fizeram parte da minha infância, e agora já era tarde para eu tentar me afeiçoar a eles. Não tem como sentir nostalgia por algo que você não viveu.
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Sem chance. |
Aproveitei o embalo e já vendi o SNES também, pois decidir que deixaria esses jogos "descansarem" na minha memória. E também porque a imagem do SNES na TV moderna não era agradável e eu não estava disposto a investir num bom - e caríssimo - conversor de imagem.
Eventualmente, ainda por um resquício de influência dos vídeos do Cogumelando, comprei um portátil de emulação, o Miyoo Mini Plus, para não perder totalmente o acesso a essas plataformas antigas. Mas, como dizem no futebol, "deu a lógica": recebi o aparelho com muito entusiasmo, zerei Mario World nele e desde então está parado mofando em meu armário. Pelo menos foi uma versão até então inédita de Mario World para mim, a de GBA, não a clássica de SNES.
Como tiro de misericórdia, ainda comprei a Disney Classic Games Collection para PS4, aquela coletânea que contém Aladdin, Rei Leão e Mogli dos 16 bits para o console da Sony. Nunca joguei Mogli, mas Rei Leão e Aladdin estão comigo desde a infância, então pensei, é justo manter essas pérolas por perto. O dinheiro que usei para comprar a coletânea veio da grana da venda do SNES, então, de certa forma, foi algo simbólico.
Ainda quero ver Maui Mallard in Cold Shadow (meu jogo favorito da vida) relançado oficialmente para as plataformas atuais, aí eu poderei ficar em paz.
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Se um dia isso virar realidade, eu compro a edição especial collector's ultra ninja steel edition. (Artista: Dimitri Paiva). |
De toda forma, acho que saturei de jogos antigos. Eu jogo essas plataformas desde a infância, desde que comecei a jogar videogame, sem parar. SNES, Mega Drive e Nintendinho nunca me deixaram, mesmo em meio ao PS2, PS3 e PC Gamer. Devo ter ficado uns 20 anos roendo esse osso, embora o alternasse com a carne dos games modernos.
Só a partir de 2021, quando tomei a decisão de fazer o detox e focar só no PS4, é que eu os deixei de lado de uma vez por todas e me permiti absorver novas experiências e criar novas memórias, tão marcantes quanto as antigas, com jogos modernos de altíssima qualidade que estão aí disponíveis. Tenho certeza que vou lembrar do Sekiro aos meus 25 anos, assim como lembro do Devil May Cry 4 aos 15 e do Aladdin aos 5.
Não largar desses jogos antigos é uma prática que "atrapalha" a consolidação de novos jogos na nossa memória afetiva e até na nostalgia. Certa vez comentei com um amigo que acho Yooka-Laylee and the Impossible Lair melhor que Donkey Kong Country, seja em jogabilidade, exploração e até mesmo em trilha sonora. Mas é quase impossível alguém concordar comigo, pois Donkey Kong Country é revisitado com tanta frequência, que as pessoas não se permitem absorver a experiência de um jogo novo que tem a mesma fórmula. Elas se fecham para o novo e ficam repetindo e revisitando as mesmas experiências do passado, como eu fazia. E sinceramente, é impossível que um produto de trinta anos atrás seja insuperável.
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Essa jóia maravilhosa coloca DKC no bolso, e quem jogar de mente aberta vai concordar. |
Honestamente, uma vez na vida eu queria que alguém elogiasse Horizon Chase sem apontar a semelhança com Top Gear. Horizon Chase é ótimo, é divertido, colorido, dinâmico, viciante. Ponto. Ele merece apreciação pelo que é, e não como a sombra de um produto bom do passado. Assim como a música The Time (Dirty Bit) do Black Eyes Peas é amada por muita gente, que não fica comparando ela com a original (Time of My Life) do John Travolta.
Não estou dizendo que o correto é viver no hype e só jogar lançamentos. Minha dica é que as pessoas abram a mente para as experiências atuais que já estão disponíveis. E quando digo atuais, me refiro ao que está disponível no seu console, a biblioteca toda dele. Tenho certeza que, quando você joga um jogo novo de boa vontade, com a mente aberta, sem ficar comparando com as jóias do passado, a probabilidade de você considerar esse novo jogo também como uma jóia é maior.
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Sou defensor ferrenho de Sonic & All-Stars Racing Transformed e o considero meu jogo de corrida favorito da vida. Até hoje nada superou isso em estilo de arte, trilha sonora e complexidade de gameplay. Mas o pessoal prefere passar 10 anos jogando Mario Kart 8 do que se permitir descobrir algo diferente. |
Se você está no PlayStation (4 ou 5), tire um pouco o olho dos lançamentos e veja o que seu console tem a oferecer, o que você deixou passar nessa geração. Se está no Xbox, explore o catálogo do Game Pass, tem excelentes perólas escondidas nele. Se você tem um Switch, saia da bolha do Mario e vá conhecer outros ótimos jogos que o console oferece - e que, na maioria dos casos, são mais baratos que os AAA da Nintendo.
O problema das pessoas é se decepcionar com o lançamento hypado da semana e ir correndo para a mesma meia dúzia de jogos que joga desde a infância, seja lá onde tenha sido essa infância, se no PS2, PS1 ou se nos 16 bits ou até nos 8 bits. Videogames são muito mais do que lançamentos e jogos clássicos consolidados. Esses são os extremos. Tem MUITA coisa aí no meio que a gente não conhece e que merece ser experimentada.
Sigo meu detox dos retrogames e, sinceramente, não vejo motivos para romper esse jejum tão cedo. Tem muita coisa boa saindo, tem ótimas experiências recentes que quero revisitar para consolidar, tem tanta platina que quero fazer... acho que não vou religar o Miyoo Mini Plus tão cedo.
E você, já passou por algo parecido? Conta aí nos comentários.