terça-feira, 31 de janeiro de 2023

"Hesitation is Defeat": Sekiro e o Segredo Para Vencer em Qualquer Soulslike

Jogos do gênero Soulslike têm fama de serem muito difíceis. Essa fama afasta muita gente, que perde a curiosidade e o interesse nesses games antes mesmo de conhecê-los. E por conhecer, eu não estou me referindo a tentar jogar. Tem gente que não quer nem ouvir falar em Soulslike.

Acontece que se criou uma mística em volta desses games, como se eles fossem algo impossível de encarar, inacessível à maioria dos jogadores, uma espécie de "Kaizo" que só um pequeno grupo de seres dotados de grande paciência e reflexos sobre-humanos pode encarar. Não é bem assim.

Deixa eu contar pra vocês o que aconteceu da primeira vez que joguei um Soulslike. O game era Dark Souls II, no PS3, e o ano era 2013 ou 2014, não lembro ao certo. Logo ao iniciar a aventura, reparei numas tochas azuis espalhadas pelo cenário. Tentei coletar aquelas tochas de todo jeito, acreditando que fossem algum tipo de item. Não consegui. Dei umas voltas pelo cenário, não entendi o que era pra fazer, morri para algum inimigo besta, fiquei nervoso e larguei o game. Essa foi minha experiência pra nunca mais querer tocar num Souls pelo resto da vida.

Até que um amigo meu, que manjava do game, me falou que aquelas tochas faziam parte do cenário e não eram de coletar.

...

Vejam bem, hahaha.

EU, que zerei tanto jogo casca grossa nos 16 bits, zerei os três Kaizo Mario (com save state, mas zerei), jogo a maioria dos lançamentos atuais no Hard, caí em tamanho amadorismo a ponto de tentar coletar um adorno de cenário e morrer para um inimigo infame. Naquela hora eu me senti o maior noob da face da Terra.

Desde então, nunca mais liguei para a franquia Dark Souls ou para outras IPs da From Software (como Bloodborne, Sekiro e Elden Ring) e ainda passei longe de jogos 2D que tentam replicar a fórmula, como Slain: Back From Hell e Hollow Knight.

Até que, certo dia, esse mesmo amigo me convidou para jogar Sekiro na casa dele.

Quem é mais velho aí vai lembrar dos tempos dos 16 bits, quando convidávamos um amigo para jogar em nossa casa. Vocês lembram que, quando o amigo pegava o controle, a gente meio que "ensinava" a ele como o jogo funcionava? Explicava as mecânicas, os comandos, o que podia ou não ser feito? Então, basicamente, aprender Sekiro com esse meu amigo foi uma experiência semelhante.

De fato, talvez os Soulslike não sejam amigáveis ao jogador que tente experimentá-los sem ter noção do que o espera, e pode ser que nas primeiras telas o jogo faça a "peneira" de quem irá de fato continuar a aventura. Mas essas pessoas que continuam, não são exatamente as mais capacitadas, que "jogam melhor", e sim as que têm interesse persistência - e essas duas coisas são mais fáceis de manter quando temos um amigo do lado pra dar aquela moral.

Naquele dia, jogamos o game até chegar no mini boss "Touro Flamejante" (que apelidamos carinhosamente de "Boi Bandido", haha). No caminho até ali, passamos por outros quatro mini bosses e mais um boss principal. Deu tempo de eu entender o combate, aprender a movimentação, morrer muito, insistir muito mais, reclamar bastante e sentir o "clique".

Mas o que seria esse "clique"?

Cada pessoa pode chamar isso de uma coisa, mas eu chamei de "clique" aquela coisa que o Sekiro (e os demais Soulslike) fazem no seu cérebro. Você pode morrer, reclamar, xingar o jogo, mas você quer tentar outra vez. Você se sente capaz de tentar de novo. Sente que na próxima irá conseguir. Você começa a desenvolver uma espécie de instinto.

Isso porque, em geral, a sensação de "poder" num videogame aumenta conforme o seu personagem ganha novas habilidades, equipamentos e itens. Mas em Sekiro, eu senti que quem estava ficando mais forte era eu, não o personagem.

O combate do game é baseado em entender os padrões dos inimigos, conseguir se defender e aprender a revidar. A cada vez que você é derrotado, você percebe alguma coisa. Um movimento do inimigo que você não antecipou; uma brecha em que você poderia ter golpeado; um tempo que você não pegou. E na próxima tentativa, você experimenta usar essa leitura para atacar de forma mais eficiente.

Não se trata de um "kame-hame-ha" que explode o cenário. Se trata de um "corte seco" de espada, desferido no momento certo.

Quando você tenta de novo, sua mesma espadinha está causando mais dano no inimigo. Você não deu upgrade nela, só aprendeu a usá-la melhor, e agora você se tornou um jogador mais experiente naquela mecânica de combate.

Volto a dizer: Souls não é um gênero para pessoas com capacidades sobre-humanas; é um gênero para pessoas com persistência. Ninguém pega um Soulslike e zera sem morrer. Mas quem zera, insistiu até aprender as mecânicas que o game quis ensinar.

Aquelas poucas horas jogando Sekiro na casa do meu amigo (e o "clique") foram suficientes para eu decidir que queria encarar o jogo. Então, no meu aniversário em 2021, adquiri o game com o valor do gift card que meus amigos me deram de presente - temos essa tradição no grupo, o presente do aniversariante sempre é um game ou um gift card das lojas digitais.

Contudo, era época de TCC na faculdade e não foi possível dar a devida atenção ao jogo naquele momento, de modo que posterguei sua jogatina para 2022. E meus amigos, valeu a pena. Que experiência deliciosa.

Sekiro foi o meu GOTY de 2022. Eu sei que God of War Ragnarok também foi insano, não estou desmerecendo a nova aventura de Kleiton de maneira alguma - aliás, que bela obra de arte a Santa Mônica nos entregou nesse fim de ano! Mas Sekiro acabou me marcando mais por ser algo diferente. Mecânicas diferentes, desafios diferentes, sensações diferentes, uma provocação diferente.

E eu ter ficado 6 meses em cima do game também ajudou.

Peguei Sekiro numa época de várias transições e desafios em minha vida pessoal, coisas que tomaram quase todo o meu tempo de jogar. Dessa forma, eu jogava Sekiro quando podia. Mesmo assim, não desisti do game e segui determinado a zerá-lo, levando o tempo que precisasse. O resultado foi uma jogatina que começou em março e terminou em outubro, com o game zerado e platinado!

Em vários momentos eu quase desisti. Mas era justamente nesses momentos que, após finalmente conseguir, eu urrava os maiores e mais vibrantes gritos de alegria. É assim que se faz um videogame, car#@lho!

Hoje, com a jornada finalizada, sou sincero em dizer que vou dar um tempo dos jogos do gênero. Foi ótimo superar meus próprios limites e dominar as mecânicas de Sekiro, mas esse definitivamente não é um jogo para você "descontrair" no final de um dia cansativo de trabalho. Sekiro exige tempo livre. Você não encaixa Sekiro na sua rotina, você encaixa sua rotina a Sekiro, hahaha.

Mas o fato é que o gênero Souls não é esse bicho de sete cabeças que o pessoal espalha por aí. Não tem nada de impossível ou injusto. Na realidade, os games do gênero nos remetem muito aos clássicos dos anos 90, onde a essência da diversão estava na tentativa e erro. Decorar padrões de inimigos e saber revidar é algo que fazemos desde as lutas contra o Bowser nos castelos de Super Mario Bros. Tudo que Sekiro faz é trazer de volta esse espírito aos dias atuais.